domingo, 27 de janeiro de 2008

Momentos de pó e ZIÁ, 1


Descobri-o quando era ainda criança (" Tinha eu quê? Nove anos, eu tinha para aí nove anos.") e tem-me acompanhado desde aí. Devo-lhe muito do que sou ... Por isso o meu primeiro post, neste blog, tem obrigatoriamente de ser o poema da minha vida. Eu sei, eu sei que já todos vocês sabem de cor os três primeiros versos ... mas pensei que talvez gostassem de o conhecer, de o ler e quem sabe de o guardar, bem embrulhadinho, num dos bolsinhos das vossas emoções ...



A vida que não é vida

Bart

Caminhava.
E na esquina esburacada de uma casa,
duma casa já não casa,
vi os restos esqueléticos de um candeeiro antigo
que ali fora enforcado
e ali estava.
Mais à frente,
a um portal escancarado, sem portal,
havia lixo, um cheiro a gatos vivos, ratos mortos
e um murmúrio apagado, o fim real ...
mas, ali havia gente!

Depois, um cão, sujo, magro como os seus ossos.
E, depois, uma criança que me olhava.
Que me olhava!
Uma criança!
Uma criança que não era criança
mas que tinha pezitos nus trilhados na pedra
côncava daquele chão que não tinha chão;
Uma criança que não era criança mas que tinha olhos,
olhos tristes,
tão tristes que entristeceram os meus;
Uma criança que não era criança, mas que tinha voz,
uma voz quase sem voz, mas que eu ouvia!
E ali estava o ser, ali vivia;
Era uma vida que sofria, comédia que arrepia ...

Como é possível, meu Deus?!

Corri louco para trás,
gritei quanto fui capaz
mas o mundo não me ouvia.

Ameacei satanás;
Mostrei a Deus quem sofria
pedindo amor, pão e paz,
mas também ninguém me ouvia!

E tudo há tanto tempo se passou
e a sorte da má sorte, não mudou!

sérgio O. sá

Do Banco do Jardim, Poemas
Ed. do Autor, Maio 1977, pp. 58-59

Sandra Cardoso

p.s. este"momentos de pó e ZIÁ" é um tributo à nossa professora de voz Ana Celeste, de quem temos imensas saudades. Pretende também ser um espaço de divulgação dos poemas que escolhemos para trabalhar na aula, de outros, ou ainda dos nossos próprios poemas ( "ai de quem nunca guardou/ um pouco da sua alma/ numa folha secreta"). Está explicada a numeração? Que venha o 2!

2 comentários:

Francisco del Mundo disse...

Bela Sandra, bela lembrança a dos poemas... Talvez todos possamos por os poemas favoritos...:D
Beijo

Ana Celeste Ferreira disse...

uns queridos... posso então colocar o poema que eu usei nas aulas de voz convosco???